Cadê a Crônica - De um Sonho que Tive
Estava eu, de joelhos na grama fresca, de frente para uma horta. O que a cercava eram tijolos cravados no chão de forma perpendicular — não na horizontal, nem na vertical, mas na perpendicular. Como se estivessem alinhados minuciosamente, com cuidado, com significativa importância.
Não lembro exatamente no que eu mexia, mas sabia que estava cuidando da horta. Algo que normalmente me causa certa aflição são as unhas sujas de terra — não gosto da sensação, tampouco da visão. Mas, naquele momento, o cheiro da terra revirada, úmida, as pontas dos dedos marrons, o suor, o joelho encardido, o sol — nada disso me incomodava. Eu estava bem. Estava feliz.
Em determinado momento, parei e olhei ao redor. Percebi que a horta tomava boa parte do quintal. Não notei nenhum animal (o que é uma pena — se tivesse minha casa, certamente teria alguns bichinhos), mas vi que, além da horta, havia um varal cheio de roupas: algumas peças masculinas, outras femininas, e outras de criança.
À minha esquerda, estendia-se um campo de verde vivo, que subia em direção a um morro. Árvores de vários tamanhos e tons de verde preenchiam a paisagem. À minha direita, eu via a lateral da minha casa. Era feita com tijolos daqueles chatos, cor de laranja, sem nenhuma parte de madeira — como eu realmente gostaria. Na varanda, duas espreguiçadeiras dividiam espaço com uma mesinha de chá, uma rede e algo que parecia um baú. O contorno da casa era feito daquelas florezinhas cujo nome pejorativo agora me escapa.
Uma pequena mão pousou sobre meu ombro direito, tirando-me da contemplação — uma mãozinha igualmente suja de terra. Ao virar para ver quem era, o que vi me causou uma estranheza doce, e também uma imensa alegria. Era uma menina de pouco mais de um ano, com cabelos mais crespos do que cacheados, serpenteando até o queixo. Bochechas redondas, boca desenhada e olhos negros enormes, extremamente expressivos. Ela vestia um vestido azul, coberto de margaridas, que lhe caía sobre os ombros. Estendia-me o que parecia ser uma pazinha. Estava me ajudando.
A menininha e eu, os dois de joelhos, mexíamos na horta quando ouvimos, vindo de trás, um "Oi!" A pequena se virou de repente e gritou: "Mãe!"
Quando me levantei, ela virou-se para mim e estendeu os bracinhos, pedindo colo. Atendi prontamente. Com ela nos braços, voltei-me para a frente da casa. Vi troncos redondos dispostos simetricamente no chão, e, estendidos sobre eles, vários fios de arame liso, formando uma cerca. Uma vegetação — parecia uma trepadeira — subia pelos troncos e seguia até certo ponto nos fios.
Foi então que a vi. Estava linda, radiante como sempre. Usava botinhas de couro preto, uma calça jeans de cintura alta, e, para completar, uma blusa florida de botões com as mangas dobradas — quase social. Seus cachos estavam presos num coque (eu adoro os cabelos dela, mas vê-la de coque é como ver um presente devidamente embrulhado — com direito aos fios soltos na nuca). Nas mãos, ela carregava livros e cadernos, além da bolsa pendurada ao ombro.
Aproximei-me com a pequena nos braços. Ela largou tudo no chão e estendeu os braços para pegar a menina. Beijou-a, mordeu-a de leve, cheirou, inspecionou, e então me olhou nos olhos. Nos olhos que presenteara à menina. Seus olhos negros tinham um brilho suave, um cansaço bom. Pareciam, acima de tudo, felizes.
Com a pequena no colo, ela se aproximou de mim, adentrou no meu abraço. Beijou-me, cheirou-me. Retribuí, beijando-lhe a testa.
E então despertei.
O que acabaram de ler é o que consigo lembrar de um sonho que tive. E eu não costumo sonhar — ou, pelo menos, não costumo me lembrar dos sonhos. Mas, nesse, eu estava feliz. Nunca antes desejei tanto morar num sonho.
Fico me perguntando: será isso uma projeção do futuro, ou apenas um desejo impossível?
por Afonso Baldez
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